terça-feira, 11 de junho de 2013

50

 A porta se abre rangendo e o pobre diabo se congela. Ele leva a mão ao bolso à procura da navalha gelada. Talvez a única companheira nessa jornada apesar do curto relacionamento. Sua mente acelera e o peito arrefece. A luz do sol invade o ambiente e faz Carlos ficar tonto diante da imagem em contra-luz. "Cheguei", diz a imagem envolta no dourado da tarde de outono. É Chico, Chico e seus dentões de tecla de piano. Ele olha dom desdém na direção de Carlos que prontamente o reconhece e sorri mais uma vez. Está fumando o tempo todo e de camiseta larga. Ele observa profundamente o POBRE DIABO pela última vez e diz: "fiz essa música pra você":

No palco, na praça, no circo, num banco de jardim...

Mas o que é isso?, Carlos pensa. De repente, num estrondo, Eusébio, Clodoalda, Gerson, o urubu, a mulata maritaca esclerosada, Éder, o caminhoneiro bigodudo Vicente, Vilma do bar, Januária, Éder, Vânia, o avestruz, Jaci, Rita Talarica, Josias, Vilson, Primo da Vilma, Altair, Catzo, o gato preto, Heitor, Bilica, Abel e Zélio Cancro, entram pela porta.

O primeiro a começar a cantar é Vicente: Correndo no escuro, pichado no muro, você vai saber de mim.

O som de orquestra surge em crescendo e uma revoada de pássaros multicoloridos invade a sala. Carlos dá as mãos para Zélio e para Gérson e, em uníssono, todos seguem Vicente:

Mambembe, cigano
Debaixo da ponte
Cantando
Por baixo da terra
Cantando
Na boca do povo
Cantando
Mendigo, malandro, muleque, mulambo bem ou mal
Cantando
Escravo fugido, um louco varrido
Vou fazer meu festival
Mambembe, cigano
Debaixo da ponte
Cantando
Por baixo da terra
Cantando
Na boca do povo
Cantando
Poeta, palhaço, pirata, corisco, errante judeu
Cantando
Dormindo na estrada, no nada, no nada
E esse mundo é todo meu
Mambembe, cigano
Debaixo da ponte
Cantando
Por baixo da terra
Cantando
Na boca do povo
Cantando


FIM

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