terça-feira, 12 de janeiro de 2010

A história que PJ narrou era cheia de horror, perversidade e uma boa dose de putaria. Mas Carlos estava mesmo querendo saber o que Galato tinha a contar.

E assim, o fidalgo da vala narra sua busca na selva pelos responsáveis pela surra. Quando descobriu que eram seus patrões do terreiro, ficou confuso, aquela desova ia contra aquilo pelo o que ele era pago pra fazer. "Jamais deixe sangue comum pernoitar na vala" essa era a número um das duas regras básicas que Pai Inocêncio de Sete Gangas lhe passara ao contratá-lo.

Porém, o desenrolar da coisa foi muito mais macabro. Quando Eusébio procurou Carlos pela tarde, já estava mancomunado com Inocêncio, pois o crioulo, medroso que só, havia jogado toda a culpa sobre o pobre diabo. O objetivo do negão seria lhe rogar uma maldição braba enviada pelo Gangas. Daí o saco de cabeças de pombos que carregava. O que Zezé não esperava era o compadrio de Carlos para com o proprietário do Galo Fêmea. Éder é um grande feiticeiro da Santeria Cubana, desafeto e maior inimigo do Gangas, fato fez Eusébio borrar as enormes celouras.

Claro que ele não era cético e todo aquele tamanhão escondia uma alma fraca e incapaz de se relacionar com humanos, só com seus amados pássaros. Foram os ferros incandescentes que Éder ofereceu para Ogum que afastaram Eusébio, que usou o nem tão raro saíra-sete-cores com uma desculpa mal pensada. Carlos esteve sempre muito protegido. Mas desta forma, por estar marcado para morrer pelo Gangas, sim, sua carcaça poderia apodrecer na vala.

Foi Pedro Juan que, espalhando brasas em Panambu, noticiou a morte do potro endiabrado que havia se esbaldado com ele na noite anterior. Quando soube, Abel ordenou que Bilica e os outros procurassem seu cadáver, pois Abel julgava a vala como um fim indigno para qualquer ser humano. Abel era outro que Inocêncio desejava comeria os rins.

Quando Galato silenciou, Carlos percebeu a satisfação nos olhos e lábios de Pedro Juan, o velho menestrel saboreava cada passagem da desgraça do Pobre Diabo como quem saboreia um faisão assado na primeira hora da madrugada. Toda essa confusão teria o dedo do velho escrevinhador? Teria aquela história sido escrita e todos agora eram peças de uma enorme encenação? Carlos sentiu-se mal com a situação e percebeu que ia vomitar.


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"Quem te jogou na vala foi um...". Um estampido fora da casa fez Galato silenciar. Uma águia muito escura pousou na janela. Logo depois parece que o mundo congelou. A única coisa que se ouvia era um arrastar de perna sobre o cascalho misturado com areia e ossos de pássaro. O chiado foi crescendo até que a porta da cabana de Galato se abriu levemente. Era óbvio que Carlos finalmente estava diante do desgraçado que tornou sua vida um inferno ainda mais abstrato em relação ao que estava acostumado. Primeiro achou que tratava-se de Vilson, o namorado da Clodô, mas logo percebeu que estava diante de Pedro Juan, que era famoso na região por escrever barbaridades e vender nas esquinas ou em frente ao parquinho de diversões no sábado à noite. Pedro Juan pediu licença e entrou. Cumprimentou Galato e pediu um trago de conhaque antes de sentar. Estava com a boca seca e disse virando-se para Carlos: "Você vê isso aqui na minha perna?". Carlos olhou e percebeu um corte profundo, como o de uma machado na canela branca e seca do homem. "O que é que tem?" "Então não se lembra mesmo, né, seu animal?" "Zero!" "Não se lembra que ontem eu pedi que você servisse de inspiração para uma porra de uma história que eu estou escrevendo e que você prometeu fazer tudo que eu pedisse em troca de uns tostões?". Carlos realmente não se lembrava que deveria ter enchido a cara até que sua alma saísse do corpo e ainda ganharia algum em troca, o problema é que tinha combinado quase a mesma coisa com Eusébio, por isso abandonou o gigante. "Aí bem na hora que eu te trazia para o terreno da desova, onde eu queria imaginar uma passagem, você me mordeu na perna e desceu correndo do carro. Eu fui atrás, mas os macumbeiros apareceram na hora para jogar uma outra carcaça e você gritou incoerências. Eles te deram uma surra com os ossos do cadáver e você acabou no fundo do buraco. Eu me mandei, cheguei em casa e comecei a escrever...".