domingo, 2 de agosto de 2009

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"Arre! Assombrando meu ganha pão novamente, seu cara de caralho!", disse o caipira rindo, enquanto Carlos se virava. Galato era um caboclo velho de pele escura e voz mole. Espantou-se pela sobrevivencia do pobre diabo e o convidou a sua casa, para um café com bolinhos. "Alguém lá em cima gosta de você, foi uma surra e tanto". Sentados em tocos de madeira na pocilga fedorenta de Galato, deliciaram-se com autenticos bolinhos de pombo-selvagem com castanha de barú. O capiau contou que cruzou com Carlos descendo do carro de Bilica e na volta de seu compromisso viu sua carcaça rolando vala a dentro e uns vultos se ocultando na mata. Avisou Abel, pois se Bilica lhe deu uma carona amigável, deveria ser afeto de Panambu. Galato explicou que era contratado do Gangas e aquelas carcaças eram restos de sacríficios humanos - era o segurança daquele iml a céu aberto. Contou que por pertencer às entidades, aquela vala não podia receber cadáveres comuns. Seu trabalho era somente este: Impedir que sangue comum contamine os outros e também metralhar urubus, coisa que fazia com maestria. Quando viu que alguém havia desovado o pobre diabo, ficou temeroso e buscou os vultos na mata pela madrugada toda. "E você encontrou quem me desovou?" Assim que o caboclo confirmou que sim, Carlos gelou, se dando conta que finalmente saberia.

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Uma coisa não encaixava, porém. Carlos queria saber quem o jogara na vala, mas Abel não sabia ou não queria responder. Então como ele mandara os travecos à vala? O novo líder da vilinha disse que a dica fora dada por um capiau da região, um tal de Galato. Ele tinha uma casinha perto do buraco e telefonou no celular de Abel quando viu a movimentação na madrugada. O pulmão de Carlos chiou. Pediu como favor que o líder ordanasse que um de seus lacaios o levasse de volta ao começo da história, ao que foi prontamente atendido pelo filho pródigo de Clodô. Bilica ligou o gurgelzinho e Carlos entrou no banco de passageiro. Deram risada de tudo que acontecerá e ficaram felizes pelo fato de tudo ter entrado nos eixos. O amigo de infância do pobre diabo dissertou sobre as beneces de se trabalhar na vila e de como gostava daquela vida. Carlos agradeceu e desejou toda a sorte para o monstrengo e desceu do carro, ali, bem perto do inferno. Carlos estava leve, bem limpo, com fome novamente. Olhou uma fileira de formiguinhas que se empenhava em transportar uma porção de migalhas e plantinhas, sabe-se lá pra onde. Ficou hipnotizado por alguns instantes até que sentiu nas costas um metal gelado. Era a espingarda de Galato.