terça-feira, 12 de janeiro de 2010

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"Quem te jogou na vala foi um...". Um estampido fora da casa fez Galato silenciar. Uma águia muito escura pousou na janela. Logo depois parece que o mundo congelou. A única coisa que se ouvia era um arrastar de perna sobre o cascalho misturado com areia e ossos de pássaro. O chiado foi crescendo até que a porta da cabana de Galato se abriu levemente. Era óbvio que Carlos finalmente estava diante do desgraçado que tornou sua vida um inferno ainda mais abstrato em relação ao que estava acostumado. Primeiro achou que tratava-se de Vilson, o namorado da Clodô, mas logo percebeu que estava diante de Pedro Juan, que era famoso na região por escrever barbaridades e vender nas esquinas ou em frente ao parquinho de diversões no sábado à noite. Pedro Juan pediu licença e entrou. Cumprimentou Galato e pediu um trago de conhaque antes de sentar. Estava com a boca seca e disse virando-se para Carlos: "Você vê isso aqui na minha perna?". Carlos olhou e percebeu um corte profundo, como o de uma machado na canela branca e seca do homem. "O que é que tem?" "Então não se lembra mesmo, né, seu animal?" "Zero!" "Não se lembra que ontem eu pedi que você servisse de inspiração para uma porra de uma história que eu estou escrevendo e que você prometeu fazer tudo que eu pedisse em troca de uns tostões?". Carlos realmente não se lembrava que deveria ter enchido a cara até que sua alma saísse do corpo e ainda ganharia algum em troca, o problema é que tinha combinado quase a mesma coisa com Eusébio, por isso abandonou o gigante. "Aí bem na hora que eu te trazia para o terreno da desova, onde eu queria imaginar uma passagem, você me mordeu na perna e desceu correndo do carro. Eu fui atrás, mas os macumbeiros apareceram na hora para jogar uma outra carcaça e você gritou incoerências. Eles te deram uma surra com os ossos do cadáver e você acabou no fundo do buraco. Eu me mandei, cheguei em casa e comecei a escrever...".

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